A ressignificação da relação entre dor e prazer
Livro: Nação Dopamina
Autora: Anna Lembke.
a) O livro traz sobre como a dopamina influencia nosso comportamento, principalmente na formação de vícios, não só os mais graves com consequências severas, mas os vícios do dia a dia, que passam despercebidos, por exemplo leitura de romances (como a autora traz como exemplo próprio).
b) Gostei muito da narração, consegui me manter atenta e interessada, o assunto foi incrível, já tenho uma lista de estudos para ler que foram citados ao longo do livro, e parecem ser bem interessantes (bem… se eu lembrar de pesquisá-los).
c) Um dos pontos do livro que ficou comigo, foi a ressignificação da relação da dor e do prazer. A princípio, sistemas com sensações e significados opostos, mas não ironicamente, processados no mesmo local do nosso cérebro, revelando a interdependência deles, e como podemos influenciar de forma ativa esses processos em nosso benefício e saúde.
d) Assim como uma frase que ficou comigo (talvez fazer uma tattoo hehehe), não vou colocar a tradução específica, mas como eu anotei e entendi: “o mundo pode ser algo que vale a pena prestar a atenção, se não fugirmos dele”, profundo não é mesmo?
Mais alguns pontos que a autora fez o favor de listar os principais pontos que ela aborda no livro, o que vou listar aqui:
1. A procura incessante do prazer e evitação da dor, leva a dor.
Você consegue ver essa essência por todo o livro, mas é no primeiro capítulo que é apresentado de forma clara a ideia de que estamos num momento em que existe uma sobrecarga de prazer, e essa sobrecarga vem de uma necessidade de fugir da dor, da frustração, das falhas e das decepções. Mas ao evitar tudo isso, ao buscar ser feliz a cada momento, o resultado pode estar sendo, justamente, essa grande sensação de vazio, o que leva à repetição e reforça todo o ciclo de evitar a dor com uma sobrecarga de prazer , precisando de cada vez mais coisas mais intensas para ter esse prazer e evitação da dor. O que é muito interessante porque esse ciclo é a base de como um vício funciona.
2. A recuperação começa com abstinência.
Esse ponto ainda me pega um pouco, fico com uma sensação de concordar/discordando. Na realidade eu concordo, parei para pensar aqui, e a sensação de discordar tem a ver com a minha parte viciada, que não fica confortável em pensar que vou ter que passar pelo desconforto de ficar sem meus vídeos do YouTube ou de ler meus mangás. Ou seja, comprovei o ponto da autora organicamente e tenho mais um ponto para trabalhar com a minha psicóloga.
Mas! o que essa parte coloca: que ao nos distanciarmos da substância/coisa/comportamento vicioso, podemos ter uma visão mais clara e objetiva das consequências que aquilo traz para a nossa vida, muitas vezes aquilo que dizemos ser a “saída”, “alívio” ou a “única coisa de funciona”, (nossos comportamentos viciosos) é justamente a causadora ou responsável pela piora de nossa situação e problemas.
3. Abstinência reinicia os caminhos de recompensa no cérebro, e com isso, recuperar nossa capacidade de ter satisfação em pequenos prazeres.
Quando minha televisão quebrou (pq um dos meus gatos ficou super animado, e ao usá-la como uma base para se impulsionar, ela caiu e quebrou a tela, perda total T-T), obrigatoriamente eu entrei numa abstinência dos meus vídeos do YouTube, eu estava provavelmente numa crise depressiva e assistir aos vídeos me dava essa fuga da realidade, poderia ficar mais de 4hrs assistindo (isso foi um pouco antes ou durante o diagnóstico de TDAH e começar a me interessar mais profundamente pelo assunto), mesmo depois que eu não sentia mais nada vendo, não era engraçado ou interessante, eu precisava continuar assistindo.
Quando a TV quebrou eu não conseguia assistir aos vídeos pelo celular ou no meu computador, o que me obrigava a fazer as obrigações ou arranjar outras alternativas.
Nas primeiras semanas fiquei muito irritada e achando que o mundo é muito chato e sem graça, apática, e distante das minhas relações.
Passando esse período, eu consegui perceber que a minha vida não tinha muitas coisas, que estava frustrada com a minha carreira, que minha ansiedade tinha alcançado um nível muito alto, ao ponto de ficar claro que tinha desenvolvido fobia social (ou finalmente perceber que tinha). Portanto os vídeos eram a minha forma de não lidar com toda essa dor acumulada, e não era evitar trabalhar para mudar, mas era o desespero e agonia de nem saber por onde começar a mudança, e como era desesperador pensar em fazer isso sozinha.
E quando eu consegui ter energia, e atenção, e motivação sobrando, retomar as relações das quais eu me afastei, diminuir o isolamento, admitir precisar de ajuda, comecei a rever todos esses pontos (ainda revendo, pois cada vezs aparece coisa nova), que me deixavam insatisfeita e me causavam sofrimento, ao olhar de frente, com os apoios e estruturas de apoio mais firmes, as coisas começaram a caminhar, descobrir e tentar novos hobbies, interagir mais com meus amigos e construir novas amizades, conseguir fazer mais exercícios, ir no médico, arriscar novas áreas para o trabalho, e por aí vai.
Não quero fazer parecer que tudo está 100%, pq não está, e não vai estar, pq precisamos do equilíbrio de ter prazer e de ter dor na vida. Todo esse estímulo de prazer (minha fuga com os vídeos) me levou para um vazio cada vez mais profundo, e ao lidar com as minhas dores eu pude recuperar e construir novos sentidos para a minha vida.
4. Autolimitação (essa foi minha tradução crua da palavra, mas tem o sentido de quando colocamos limites para conseguirmos fazer algo ou deixarmos de fazer algo, por exemplo quando você desinstala um aplicativo para diminuir o uso dele) cria literalmente e metacognitivamente um espaço entre o desejar e o consumir.
Esse ponto é muito legal, é algo que faço muito e tento orientar meus clientes também, pois como somos bem mais vulneráveis para ter vícios, já que nosso autocontrole é uma mer***, por causa do TDAH, então saber delegar limites ajuda muito, como não ter mais uma tv na sala, ou só jogar Fallout 3 enquanto ouve um audiobook.
5. A medicação pode trazer a homeostase (equilíbrio) de volta para o corpo. Mas pensar no custo, quando a medicação tem a função de mandar a nossa dor embora.
A diferença entre a medicação ser parte do tratamento e a medicação ser a fuga do tratamento. A medicação não é milagrosa, ela ajuda e pode ser uma parceira incrível em trazer mais saúde para a nossa vida, mas quando ela só serve para que tudo continue igual, mesmo a dor sendo um sintoma que mostra que as coisas não estão legais do jeito que são, aí… aí precisamos usar a honestidade conosco, e admitir o que realmente está acontecendo ao nosso redor.
6. Pressionar nossa balança para o lado da dor, reinicia ela para o lado do prazer.
Focar muito num lado, vai resultar em uma resposta do nosso cérebro contrária, pois ele gosta de equilíbrio. Logo, se eu forço ter uma vida cheia de dopamina, meu cérebro irá colocar a balança mais para o lado da dor, para buscar um equilíbrio. Assim como um momento cheio de dor, o cérebro irá colocar a balança para o lado do prazer, tem um estudo que a autora cita sobre soldados e o nível de ferida deles: os que tiveram feridas extremamente graves (perda de membros, traumatismo craniano etc), eles sentiam um prazer grande, quando questionados sobre como estavam se sentindo, pois eles iriam ser dispensados e não precisavam ter que voltar para o inferno que era o campo de batalha, então aquela dor, vinha como um alívio. Ao contrário, soldados com feridas mais simples, sentiam mais ansiedade e desmotivação, pois logo teriam que retornar.
Saber desse mecanismo pode ser uma faca de 2 gumes, pois você começa a entender que precisa de equilíbrio, e que se vc não buscar isso o cérebro faz isso para você, e deixar ele fazer as coisas sozinho, por mais que em muitas coisas ele é genial, em outras ele é muito tanso e preguiçoso… coitado. E isso pode levar para o que o ponto 7. nos orienta a cuidar.
7. Fique atento em não se viciar na dor.
Esse vício em dor, você pode pensar em masoquismo, mas podemos pensar nas pessoas viciadas em sentir medo, ou em esportes radicais. bando de gente lou****, de ficar viciado na resposta de equilíbrio que o cérebro gera a lidar com coisas muito fortes, o que leva ao comportamento de precisar de cada vez mais estímulos, muito mais intensos para ter a mesma reação.
8. Honestidade promove consciência, melhora intimidade, e gesta um “mind set” de “muito”.
Não tem estudos específicos nisso, mas a autora associa a questão de que ao ser honesto (consigo mesmo e com os outros), isso promove a construção de comportamentos e relacionamentos muito mais saudáveis, gerando uma resposta e comportamento mais honesto do outros em relação a você também.
Numa perspectiva psicológica, é algo que no processo psicoterapêutico estimulamos e construímos com o cliente. Pois ao contrário da crendice social de que as pessoas gostam mais de você se você for perfeito, as pessoas realmente constroem laços profundos quando conseguimos compartilhar nossas vulnerabilidades.
O que é interessante nessa parte, é como a autora dá vários exemplos sobre mentiras e com o discurso de vitimização, principalmente linkando a ideia de que consciência sem ação não é útil, um discurso em que você sempre é a vítima de tudo, e nada é feito ou mudado, não é muito diferente de estar mentindo para si mesmo, sobre as coisas que é de sua responsabilidade mudar e pensar a respeito.
Uma observação é que a autora sempre coloca as limitações sociais em certos exemplos, principalmente como nem sempre a honestidade para com os outros, principalmente se você for pertencente a minorias e pobre ou entrar num ambiente corrupto e/ou injusto, vai dar um resultado positivo.
9. o “Pro-shaming” informa que pertencemos à espécie dos seres humanos.
Este ponto é o que eu menos gostei, quando se traz a reflexão sobre vergonha e culpa, trazendo mais uma visão de como usar a vergonha como estratégia de ajudar em desconstruir certos comportamentos, e que na prática a sensação dos dois seria igual, mas esse foi o meu entendimento, e pode ser que eu não tenha entendido a profundidade que a autora queria dizer, por isso vou parar por aqui (se não gostou, aproveita e vai ler o livro e fala pra mim o que vc achou do livro)
10. De vez fugir do mundo para resolver algo, podemos achar uma solução mergulhando nele.
E esse fechamento é o meu preferido.
Como o equilíbrio está em lidar com os desafios de forma curiosa, desconstruir a ideia de que a dor é algo para se fugir e por aí vai. Claro que é importante adaptar esses aprendizados focado num nível individual, o livro não traz essas reflexões colocando numa questão mais macro e política.
Portanto, nessa questão mais social é um livro de ter como informações adicionais, ao meu ver, de como o comportamento humano funciona, e um desafio de como adaptar essas informações para o cenário social, além de pesquisas específicas para comunidades específicas, por exemplo, teve um exemplo falando sobre TDAH, mas não focou no aspecto de como o TDAH influência em todo esse sistema da dopamina, e esse tópico por si só já dá um livro específico, por exemplo, como eu lido com a questão de precisar de muitos estímulos para dar conta de tarefas difíceis? Ou por ter o transtorno, meu sistema de recompensa, por base, já está prejudicado, como lido com isso e em buscar o equilíbrio?
Esses meus questionamentos têm mais a ideia de me fazer pensar em como eu iria adaptar as informações e conhecimentos para o meu campo, não realmente como crítica, pois a ideia do livro é trazer uma reflexão mais ampla, o que por si só, eu já gostei demais e recomendo muito para o pessoal dar uma chance.
E se você achar esse audiobook versão em português, por gentileza me passe!! Eu não acho alternativas de aplicativos em português, muitas vezes os que existem tem poucas opções então uso o aplicativo da Audible e lá a maioria das coisas são em inglês, infelizmente;.